sexta-feira, 18 de janeiro de 2013

QUANDO AS DROGAS ERAM LEGALIZADAS NO MÉXICO E POR QUE ELAS NÃO SÃO MAIS !!!!



A classe alta mexicana culpava os imigrantes chineses pelas primeiras redes de tráfico, mas essas mesmas pessoas se drogavam em casas de ópio gerenciadas por chineses. Enquanto isso, a maior parte do lucro do tráfico de drogas ia pros bolsos dos traficantes europeus e políticos corruptos.
Nas festas que frequento na Cidade do México, noto que mais e mais dos meus amigos de alguma forma se sentem culpados por fumar um baseado ou cheirar uma carreira. Quando fazem isso, eles não conseguem não pensar — pelo menos por um instante —  que estão contribuindo um pouco com a guerra às drogas no México, responsável por 50 mil mortes e pelo desaparecimento de outras dezenas de milhares de pessoas durante o governo atual. Talvez até se possa dizer que eles não mais fumam bagulho ou cheiram pó: eles fumam um dedo, inalam uma língua, usam um bong de pedaços de torso. Depois eles riem e deixam isso pra lá.
Desde os anos 40, os mexicanos perseguiram, prenderam e mataram uns aos outros por causa do prazer e do lucro derivados de substâncias psicoativas controladas — lucros obtidos, pelo menos em parte, através da guerra às drogas, que tornou a oferta escassa enquanto a demanda continua insaciável. Mas hoje a violência atingiu um novo nível de intensidade.
Os problemas se aprofundaram em 2000, quando o Partido de Ação Nacional, de direita, ganhou as eleições nacionais contra o Partido Revolucionário Institucional pela primeira vez em mais de 70 anos. Então, em 2006, Felipe Calderón foi eleito presidente depois de concorrer com uma plataforma baseada na criação de empregos. Assim que tomou posse, o novo presidente decidiu travar uma guerra brutal contra os chefões mexicanos das drogas em vez de enfrentar o desemprego. A cruzada de Calderón rapidamente afetou — e infectou — o país inteiro.
Levantando fotos documentais do começo do século XX, parece até que era OK ficar bem louco no México, mas a verdade é que certas substâncias têm sido proibidas desde os tempos coloniais. Assim que a Espanha percebeu que os indígenas usavam todo tipo de coisa pra falar com seus deuses ou simplesmente viajar, o governo passou a proibi-las. Foi o que aconteceu com o peiote em 1670, quando a Inquisição pregou editais nas igrejas por toda a Nova Espanha declarando o uso do cacto um pecado.
No século XIX, o uso de drogas se tornou secular. Peiote, maconha e folhas de coca não eram mais um pecado e começaram a ser usados em nome da ciência e da medicina. Como foi o caso na maior parte do mundo naquela época, médicos e cientistas se tornaram os guardiões dos portões do lindo reino do estado alterado da mente.
No começo do século XX, as drogas se tornaram uma questão de classe social e foi aí que os problemas começaram. Indígenas, presidiários e soldados eram vistos como os principais usuários de maconha, fazendo com que seu uso fosse considerado vulgar. Os espanhóis e mestiços brancos usavam drogas mais “científicas” e estrangeiras, como heroína e ópio. No meio da Revolução Mexicana, os ricos, especialmente donas de casa abastadas, frequentavam casas de ópio gerenciadas por chineses, onde podiam esquecer seus problemas com apenas algumas baforadas.
Assim era a vida num México dividido por fronteiras de raça, classe e educação. Mas em 1920, quando a revolução se completou, teve início uma nova guerra que logo se espalharia pelo mundo. Entre 1909 e 1919, o governo americano e seus aliados pressionaram pela proibição global do ópio. Muitos países apoiaram a medida, inclusive o México. A proibição foi assinada em 1912 em Haia e foi incorporada ao Tratado de Versalhes em 1919, começando uma nova era antidrogas que veria o México ser coberto por uma montanha de cadáveres.

No começo do século XX, ninguém entendeu bem a proibiçãrecém-estabelecida ao uso de drogas. Cocaína e morfina produzidas por companhias farmacêuticas europeias podiam facilmente ser adquiridas com prescrição médica

Drogas como a maconha eram consideradas baixas por serem usadas pelos pobres. Pessoas de alta classe usavam drogas superiores, como ópio e heroína, frequentemente receitadas por médicos.
O México se tornou um ponto de travessia pra todas as substâncias ilegais rumo aos Estados Unidos, graças a uma estranha brecha. Em 1909, o governo dos EUA baniu a importação de ópio pra consumo interno (exceto pra uso “medicinal”). No entanto, era legal importar isso pros Estados Unidos e imediatamente exportar pro México e outros países. O negócio era muito bom pra simplesmente banirem as importações de narcóticos nos Estados Unidos. Logo, contrabandistas norte-americanos e europeus encontraram parceiros mexicanos que traziam ópio de Macau a São Francisco, enviando isso imediatamente ao México, onde contrabandistas mandavam essas cargas de volta aos Estados Unidos. O México começou a desenvolver uma reputação por facilitar o uso de drogas e outros hábitos questionáveis.
O governo e os cidadãos mexicanos reagiram culpando os imigrantes chineses, um alvo fácil. Homens de negócio mexicanos tinham inveja do sucesso de alguns empreendedores chineses, e todo mundo, mesmo os indígenas, os considerava inferiores. Logo o governo aprovou uma série de proibições. Em 1923, o presidente Álvaro Obregón baniu toda a importação de narcóticos. Dois anos depois, o presidente Plutarco Elías Calles negociou com o governo norte-americano pra alavancar acusações de tráfico de narcóticos e álcool. Mas nada disso impediu a entrada das drogas no país.
A luta armada contra as drogas no México foi catalisada em 1947, quando Harry Anslinger, primeiro comissário do Bureau Federal de Narcóticos (precursor do DEA), pressionou o governo mexicano pra lançar operações antidrogas no noroeste do México (especificamente em Sonora, Sinaloa, Durango e Chihuahua). Essa luta armada se intensificou nos anos 60 e 70, quando o uso de drogas recreativas entre jovens se tornou popular dos dois lados da fronteira.
A guerra contra as drogas transformou-se em obsessão norte-americana e tanto Nixon quanto Reagan conduziram campanhas que beiravam a loucura. Por exemplo, em 1969, durante a Operação Interceptação, a fronteira entre Estados Unidos e México foi temporariamente fechada numa tentativa de persuadir os oficiais mexicanos a capturar e matar traficantes. Em 1976, o governo do México lançou a Operação Condor, na qual soldados destruíram cidades e mataram populações inteiras pra proteger o mundo da maldade dos produtores de maconha e papoula.
As organizações de tráfico que transportavam drogas através da fronteira reagiram a essa agressão comprando mais armamentos pesados, investindo mais dinheiro pra corromper políticos e policiais, e se tornando cada vez mais violentas e imprevisíveis.
Por um tempo, os usuários de drogas foram considerados um problema de saúde pública. Isso graças aos médicos, que, assim, fizeram com que todas as coisas divertidas permanecessem sob sua jurisdição. Na verdade, em 1940, o Departamento de Saúde do México obteve sucesso em levar adiante um caso pra legalizar as drogas no país. Por um breve período de tempo, os usuários podiam ir a farmácias nas quais médicos ofereciam doses diárias de heroína e outras substâncias a preços menores que o do mercado negro. A lógica do governo era que se pudessem manter os usuários à vontade e longe de problemas, conseguiriam dar um fim ao tráfico. A legalização durou apenas alguns meses antes de ser derrubada, principalmente por pressão do governo norte-americano.
Essa guerra continua até hoje, mais sangrenta e brutal do que nunca, e não parece estar próxima de um fim. A maioria acha loucura a ideia de legalização — uma perda de tempo irrealista. Eles podem estar certos; deve haver muito dinheiro em jogo pra que os políticos permitam que as pessoas usem drogas à vontade, eliminando simultaneamente o mercado negro que causa tantas mortes e dor de cabeça. Não vou julgá-los, mas nunca vou concordar. A legalização já aconteceu uma vez e eu vejo paz nos olhos vermelhos dos maconheiros daquela época.
Froylan Enciso é um candidato a PhD em história na Universidade de Stony Brook, em Nova York. Sua dissertação foca nos mercados de narcóticos de Sinaloa, México.



Fonte : Revista Vice

Texto :Froylan Enciso